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5 de mar. de 2014

Crônica de um plantão de carnaval: por Allan Roberto.

Em 18 anos de médico, já estive de plantão em muitos carnavais, como já curti muitos carnavais fora de hospitais. Por uma contingência da saúde municipal atual tive que permanecer de plantão desde sexta de carnaval até quarta-feira de cinzas no Hospital Geral e Maternidade de Pedreiras. O hospital se preparou especialmente para a demanda extraordinária. Mas fiquei assustado pelo inusitado desse ano nos atendimentos e casos pitorescos que tivemos que atender.

Lógico que carnaval é festa, folia, diversão. Mas impressionou-me muito o grande número de casos de embriaguez que teve que chegar até nossa equipe, majoritariamente de mulheres e jovens adolescentes. Quando perguntávamos o que tinha acontecido, ouvíamos como resposta: “Absolut”, “Old Par” ou “latinhas demais”. E eram umas cachaças escandalosas, outras sonolentas e algumas choronas demais. Casos que desmaiaram e nada fazia acordar, enlameados ao extremo, imundos, como se tivessem rolado na lama propositadamente. Muitas lesões cortantes em pés por cacos de garrafas. Inúmeras brigas, agressões com garrafadas, facadas, pauladas. Gente “pinicado” de faca e caco de garrafa que saiu do hospital mais costurado que “roupa de quadrilha”.

 Os casos de embriaguez alcoólica foram os que mais assustaram pela idade baixa dos bêbados, pela maioria de mulheres e por algumas peculiaridades assustadoras; exemplo: a mãe que brigava com o filho embriagado por ter caído de moto e tê-la derrubado, quando, dizia ela, outras tantas vezes, mais embriagado ainda, ele nunca a havia derrubado. Que conivência com o erro do filho! Outro que brigou e o desafeto arrancou-lhe um pedaço da orelha no dente. Aquele com embriaguez patológica que passou a madrugada nos corredores do hospital pregando a Bíblia e delatando as mulheres da cidade que traem os maridos e com quem os traem e dando lição de moral na equipe de plantão. O que levou uma garrafada no tórax, com lesão extensa, grave, que nem percebeu que estava lesado por tamanha embriaguez e no outro dia veio dizer que o médico quase o matou de dor, como se o profissional de plantão fosse o causador da agressão. Aquele que foi encontrado jogado no chão de uma área cheia de usuários de drogas e “bocas de fumo” e chegou aqui com os bolsos cheios de dinheiro alto (verdinhas) e não foi roubado no longo tempo em que ficou jogado no chão entre os delinquentes, desacordado. O idoso que tomou Viagra e falhou mesmo assim e veio para o hospital em crise nervosa com sua velhinha por se achar imprestável para a vida, agressivo, passando mal de decepção consigo mesmo. A vida e suas mazelas. 

Mais duas situações me alarmaram mais do que os dois óbitos que me ocorreram aqui, um por facada e outro por bala. Falo da quantidade de atropelamentos, choques entre motos, acidentes automobilísticos com vítimas que ficarão para sempre sequeladas pela insensatez da embriaguez ao volante. E pior que boa parte das vítimas não estava no veículo, foi atropelada mesmo... Mas o que me chamou a atenção mesmo foi a grande quantidade de pessoas intoxicadas por cocaína que deu entrada em sensação de morte iminente, desesperadas, com palpitações, com a freqüência cardíaca lá em cima e a pressão arterial alta, achando que iria morrer, e em quase overdose. Adolescentes em sua maioria, meninas, induzidas ao uso por garotões que assim imaginavam levá-las para a cama mais facilmente. A escalada da cocaína, pó, em Pedreiras é alarmante e entre os adolescentes impera, especialmente entre as meninas, oferecida pelos meninos com a intenção de sexo.

Preocupante um carnaval assim. Festival de garrafadas, acidentes, pauladas, porradas, facadas e tiros. Muita festa, muita alegria, mas muito excesso e desperdício de saúde e vida. Espero que o balanço geral seja positivo. A cidade bombou com os visitantes em recorde; nossa fama de bom carnaval aumenta e nos traz dividendos econômicos. Isso é muito bom. Mas o que será que faz com que o indivíduo para se sentir alegre e feliz, para participar de uma festa, necessite se embriagar ou usar substâncias psicoativas lícitas ou ilícitas? Que complexidade tal é esse psique humano que o homem para se sentir feliz não basta estar de cara limpa? Sou dependente químico em recuperação. Já vivi maus momentos e agruras terríveis por essa condição. E esse questionamento se faz premente em mim, em minha realidade pessoal, em minha preocupação para com meus filhos, para com minha cidade e nossa realidade.

E após a festança, bem-vindos todos ao mundo real que se reinicia...  

Allan Roberto Costa Silva

Médico, ex-Presidente da Câmara Municipal de Pedreiras, membro da Academia Pedreirense de Letras e da Associação de Poetas e Escritores de Pedreiras-APOESP.

E-mail: arcs.rob@hotmail.com e allanrcs@bol.com.br

Um comentário:

  1. é muito triste ler um relato destes, a minha cidade em que nasci e me criei, como o sr. Dr. Alan estive do lado escuro da vida, sou testemunho vivo e sei exatamente aonde tudo isso vai dar o problema é que todas essas desgraças pra muitas pessoas é muito natural, não é errado o povo ser feliz e viver feliz o errado é um povo viver uma vida de ilusão colocando pra baixo do tapete tantas mazelas e tantas atrocidades eu vejo esta cidade um exemplo de Sodoma e gomorra uma cidade que vive na prostituição meninas com idade de brincar de bonecas falando que esteve com homem tal falando de sexo sem nem uma cerimonia em que o povo se contenta com um trio elétrico pra esquecer seus problemas, é uma pena , esta cidade tudo pode, pode matar, pode roubar, sem nem uma punição.

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